Paulo M. C. A. Teixeira
Resumo:
Os
cogumelos fazem parte de algumas das mais requintadas produções gastronômicas
do mundo em que vivemos. São considerados pelos experts do ramo como sendo
alimentos sofisticados, de sabores variados (conforme os tipos que estão sendo
utilizados), e que, no geral, dão luxuosidade à culinária e grande prazer a
quem os consome. Através desse artigo, realizado com base em pesquisa
bibliográfica, procuramos traçar o perfil desse fungo tanto no tocante as suas
características enquanto alimento quanto relativamente a sua história nas mesas
da humanidade.
Palavras-chave: Cogumelo, Gastronomia,
História, Alimentação, Ciência.
Abstract: Mushrooms are
among the most refined gastronomical products in the world that we live. They
are considered by the experts in this working area as one sophisticated food,
with varied flavors (according to the kind of mushroom that is being used), and
that, in general, are enabled to give luxury to the culinary arts and a great
amount of pleasure to the ones that eat it. Through this article, realized with
its basis on bibliographical research, we intend to show the characteristics of
this fungus regarding its nature as a food as well as discover some of its
history on the tables of humanity.
Keywords: Mushroom,
Gastronomy, History, Alimentation, Science.
Há exatamente quinze
menções a cogumelos na mais respeitada referência de História da Gastronomia, o
livro organizado por Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (1998), editado no
Brasil pela Estação Liberdade e que tem, apropriadamente, o título História da Alimentação.
Isso pode, a princípio,
parecer pouco se pensarmos na dimensão e alcance desse alimento de linhagens
nobres que seduz a humanidade desde os primeiros tempos. Entretanto,
considerando-se o caráter relativamente seletivo ao qual é submetido esse fungo
de características comestíveis, normalmente associado à mesa de comensais ricos
e poderosos, entendemos porque podemos considerar bastante promissora a
pesquisa inicial que fizemos nessa conceituada obra de Flandrin e Montanari.
Não estamos falando de um
produto do cotidiano das pessoas, mas de uma iguaria especialmente requintada e
desejada por aqueles que têm paladar refinado. Quando pensamos em cogumelos,
nesse ensejo de luxuosidade associado ao consumo contemporâneo de suas
conhecidas variedades, remetemos à idéia de que os primeiros a possuir esses
finos alimentos em seus cardápios foram os gregos ou os romanos.
Diferentemente desse
conhecimento que assumimos como verdadeiro, o uso de cogumelos na alimentação
humana remonta aos hominídeos pré-históricos e as primeiras utilizações do fogo
para o cozimento de certas plantas. Essa prática, anterior ao próprio domínio
do fogo pelos homens, visava permitir a sobrevivência em tempos difíceis, de
escassez de alimentos. O cozimento por sua vez, foi a alternativa encontrada
para solucionar o problema das eventuais intoxicações e envenenamentos de
alimentos consumidos em estado bruto.
Esses cuidados iniciais dos
seres humanos em relação aos cogumelos são totalmente respaldados por pesquisas
atuais que nos reportam a enormidade de tipos de fungos existentes no mundo.
Calcula-se, por exemplo, que existam perto de oito mil espécies desses vegetais
apenas nos continentes americano e europeu e, sabe-se que enquanto alguns
constituem delicioso alimento, outros são venenosos e podem causar até mesmo a
morte.
No entanto, não estão
erradas as pessoas que imaginam os cogumelos como íntimos e quase sempre
presentes nos grandes banquetes das civilizações da Antiguidade. Percebemos
isso a partir do texto de Francis Joannès, A
Função Social do Banquete nas primeiras civilizações (1998, p. 61), quando
nos diz a referida autora que essas reuniões gastronômicas localizavam seus
participantes de acordo com os grupos sociais a que pertenciam, requisitavam o
conhecimento de certas regras de etiqueta (lavar-se com água, untar-se com
óleos perfumados a base de cedros, zimbros e murtas), tinham uma ordem de
serviço para os pratos previstos (com as carnes, pães e legumes seguidos de
sobremesas compostas por frutas e bolos adocicados com mel) e que, “em alguns
casos, produtos mais raros adornam a refeição: peixes de água doce, ovos de
avestruz, cogumelos (trufas?), pistaches”.
Florence Dupont, por sua
vez, em seu texto Gramática da
alimentação e das refeições romanas, ressalta que os cogumelos eram
produtos oriundos dos “confins”, ou seja, de florestas, pântanos e montanhas,
espaços sem dono específico e não utilizados para a agricultura. Segundo a
mesma autora, os romanos desconsideravam parte respeitável dos alimentos
provenientes dessas reservas naturais por considerarem esses vegetais como
alimentos para suas criações de animais. Entretanto, há as ressalvas feitas as herbae que poderiam ser utilizadas como
remédios ou que eram consideradas como alimentos de luxo, “como os aspargos
selvagens e os cogumelos”.
De acordo com Dupont esses
“alimentos de luxo” recolhidos dos “confins” eram utilizados na tradicional Cena romana. A Cena era a refeição do prazer, do regalo e do supérfluo. Essa reunião gastronômica estava restrita aos
senhores de terras e escravos, aos senadores e oficiais do exército ou as
pessoas que tivessem ganhado relativa fortuna com o comércio. Nesse ínterim, de
acordo com o texto de Dupont (1998, p. 212):
“Mesmo o consumo dos ‘verdadeiros’
alimentos, aqueles que nutrem, é desvirtuado em função do prazer, seja pela sua
abundância, seja pelo engenho com que são colhidos ou preparados – os legumes
recolhidos na floresta, aspargos silvestres ou cogumelos, cozidos como
carne”.
Em A fava e a moréia: hierarquias sociais dos alimentos em Roma,
Mireille Cobier (1998, p. 217) ressalta esse caráter elitista relativo ao
consumo de determinadas iguarias, entre as quais os cogumelos:
“... um autor
satírico como Marcial, no século I de nossa era, não hesita em utilizar os
termos ‘rico’ e ‘pobre’, associando-os ao tipo de alimentação: no livro XIV de
seus epigramas, ‘as doações dos ricos (diues) e do pobre (pauper)’ não incluem
entre víveres entre os presentes de pouco valor ou, pelo contrário, de preços
indicados, mas nele se vê um prato de servir cogumelos que se lamenta só ser
usado para brócolis”.
Percebe-se na ironia de Marcial a riqueza e o
status conferido ao cogumelo apenas pela menção da não utilização de um prato
destinado a esse fungo e que, como compensação, acabava sendo usado para
acomodar o humilde e popularesco brócolis.
Até mesmo o mundo árabe
demonstra historicamente a afeição ao consumo dos cucumellus, diminutivo de cucuma,
termo originalmente grego que quer dizer “vaso de cozinha”, de acordo com os
ensinamentos recolhidos do Pequeno
Dicionário de Gastronomia de Maria Lúcia Gomensoro. A referência ao consumo
de cogumelos no mundo islâmico aparece em artigo escrito por Bernard
Rosenberger, A cozinha árabe e a sua
contribuição à cozinha européia.
Em determinada passagem de
seu texto, Rosenberger (1998, p. 350) destaca que entre os mouros “comem-se
certos cogumelos, em particular trufas brancas e pretas, consideradas
afrodisíacas” e que, essa característica potencial desses fungos levava os
cogumelos a serem considerados “alimento de libertinos” e proibidos de venda
nas proximidades das mesquitas.
Indo um pouco além no tempo
e voltando ao contexto especificamente europeu, já na Baixa Idade Média (entre
os séculos XII e XV), há o registro de consumo de cogumelos como complementação
da alimentação familiar das pessoas que viviam nos feudos. No caso do
feudalismo europeu o consumo de champignons
(palavra francesa para cogumelos e também uma das mais conhecidas variedades da
espécie) relaciona-se a pobreza, ao inverno, a falta de mercados e também as
catástrofes climáticas que abalavam as estruturas produtivas arcaicas e
empobrecidas dos camponeses europeus de então.
A entrada num novo período,
mais afeito a novas idéias e vanguardista como a Idade Moderna trouxe para os
cogumelos um novo papel na gastronomia. Trata-se de uma função já executada nos
períodos anteriores se bem que de forma totalmente secundária, ou seja, a de
reputado e saboroso condimento adicionado a outros alimentos. Nessa nova etapa
o Funghi, como é chamado na Itália,
passa a ser adicionado com grande regularidade a pratos que tem como
ingrediente principal uma carne, uma massa, saladas ou algum tipo específico de
cereal. As especiarias ganhavam o mundo e entre elas também singrava os mares,
muito timidamente, os mushrooms (como
são conhecidos na língua inglesa).
Na América os cogumelos não
foram introduzidos pelos navegadores europeus, pelo contrário, já constituíam
parte do cardápio das mais evoluídas civilizações, como os Astecas, que viviam
na atual região do México. Há registros de utilização regular de cogumelos na
preparação de um produto tipicamente americano que conquistou o mundo, o
chocolate. Era praxe, inclusive, a utilização de edelpilz (cogumelo em alemão) alucinógenos nesses chocolates
astecas.
Os tempos atuais permitiram
a humanidade produzir e conservar os cogumelos (preferencialmente em óleo) e levaram
a uma oferta muito maior desse verdadeiro alimento dos deuses. Contemporaneamente
catalogados e pesquisados, esses fungos apresentam variedades como o cogumelo
ostra, o shiitake, as trufas, o cogumelo castanha romano, o nameko, o cogumelo
botão, a trufa branca, o cogumelo castanha suíço, o shiitake gourmet, o
cogumelo plano, o enokitake, o porcini seco, o morel seco, os cogumelos palha e
o cogumelo cantarelo como seus principais representantes nas mais importantes celebrações,
mesas de família e restaurantes. Não há mais como dispensar esses fungos
fascinantes (em suas variedades comestíveis) de nossas mesas e cardápios, tal
ato constituiria, depois de todo o reconhecimento histórico a esse delicioso
alimento, uma verdadeira heresia...
Referências
COGUMELOS – Guia Prático.
São Paulo: Nobel, 1999.
CORBIER, Mireille. A fava e
a moréia: hierarquias sociais dos alimentos em Roma. In: FLANDRIN,
Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História
da Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
COX,
Jill; WERLE, Loukie. Ingredientes. Colônia, Alemanha: Könemann
Verlagsgesellschaft mbH, 2000.
DAVIDSON,
Alan. The Oxford Companion to Food. Nova Iorque,
EUA: Oxford University Press, 1999.
DUPONT, Florence. Gramática
da alimentação e das refeições romanas. In: FLANDRIN, Jean-Louis; MONTANARI,
Massimo. História da Alimentação. 2ª
ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
FLANDRIN, Jean-Louis.
Tempero, cozinha e dietética nos séculos XIV, XV e XVI. In: FLANDRIN,
Jean-Louis; MONTANARI, Massimo. História
da Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
GOMENSORO, Maria Lúcia. Pequeno Dicionário de Gastronomia. Rio
de Janeiro: Objetiva, 1999.
JOANNÈS, Francis. A função
social do banquete nas primeiras civilizações. In: FLANDRIN, Jean-Louis;
MONTANARI, Massimo. História da
Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
LANG,
Jennifer Harvey. The Larrouse
Gastronomique. Nova Iorque, EUA: Crown Publishers Inc, 1998.
LEMPS, Alain Huetz. As
bebidas coloniais e a rápida expansão do açúcar. In: FLANDRIN, Jean-Louis;
MONTANARI, Massimo. História da
Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
RIELA-MELIS, Antoni.
Sociedade Feudal e alimentação (séculos XII e XIII). In: FLANDRIN, Jean-Louis;
MONTANARI, Massimo. História da
Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
ROSENBERGER, Bernard. A
cozinha árabe e sua contribuição à cozinha européia. In: FLANDRIN, Jean-Louis;
MONTANARI, Massimo. História da
Alimentação. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.