domingo, 16 de fevereiro de 2014

Cogumelos e a Humanidade



Este texto foi retirado do livro "Growing Gourmet and Medicinal Mushrooms", Paul Stamets.

" O uso de cogumelos durante a história da humanidade extende-se desde o Paleolítico. Poucas pessoas - mesmo antropólogos - entendem quão influenciadores foram os cogumelos ao longo da evolução humana. Cogumelos tiveram papéis importantíssimos na Antiga Grécia, India e Mesoamerica. Por conta de sua natureza, os fungos sempre elucidaram profundas respostas emocionais: da adulação dos que os entendem até o medo descontrolado dos que não.

O registro histórico revela que cogumelos foram usados não só com propósitos benignos. Cláudio II e o papa Clemente VII foram ambos assassinados com amanitas mortais. Buda morreu, de acordo com a lenda, de um cogumelo que nascia abaixo do solo. Ele recebeu o cogumelo de um camponês que acreditava ser uma guloseima. Nos versos antigos, este cogumelo foi associado ao nome 'pé de porco' mas nunca foi identificado. (Apesar das trufas nascerem abaixo do solo e porcos serem usados para achá-las, nenhuma espécie venenosa é conhecida até hoje.)

O uso arqueológico de cogumelos mais antigo descoberto até agora provavelmente é uma imagem Tassili em uma caverna, que data de 3.500 anos antes do nascimento de Cristo. A intenção do artista é clara. Cogumelos com auras 'elétricas' estão ao redor de um xamã que dança. A interpretação espiritual da imagem transcende o tempo e é óbvia. Não há dúvidas de que a palavra "bemushroomed" tenha evoluído para refletir o estado mental do amante dos cogumelos.

No inverno de 1991, alpinistas no Alpes italianos encontraram os restos bem conservados de um homem que morrera 5.300 anos atrás, aproximadamente 200 anos depois do artista Tassili. Descrito pela mídia como 'homem do gelo', ele estava bem equipado com uma bolsa rústica, um machado lascado e alguns políporos (Piptoporus betulinus) secos, além de outro cogumelo ainda não-identificado. Os políporos podem ser usados como um combustível para acender fogos e como um remédio para curar feridas. Além disso, um rico chá com propriedade de aumentar a pode ser preparado fervendo estes cogumelos. Equipado para enfrentar o selvagem, este aventureiro já havia descoberto o valor destes nobres fungos. Até hoje este conhecimento pode salvar vidas.

O medo de envenamento por cogumelos atravessa todas as culturas, às vezes chegando a níveis fóbicos extremos. O termo 'micofóbico' descreve os indivíduos e culturas em que os fungos são vistos com medo e desconfiança. Culturas micofóbicas são representadas principalmente pela americana e pela irlandesa. Em contraste, sociedades micófilas podem ser encontradas especialmente entre os poloneses, russos e italianos. Estas sociedades desfrutam de uma longa história de uso de cogumelos, com diversos nomes comuns para descrever as variedades de cogumelos que adoram.

O uso de cogumelos em diversas culturas foi intensivamente estudado por um banqueiro investidor chamado Gordon Wasson. Seus estudos concentraram-se no uso de cogumelos pelas culturas mesoamericana, russa, inglesa e indiana. Com o micólogo francês Roger Heim, Wasson publicou pesquisas sobre cogumelos que contém psilocibina na mesoamerica, e sobre amanitas na Euro-Ásia/sibéria. Os estudos de Wasson demonstram uma vida marcada por amor aos fungos.
Suas publicações incluem: "Mushrooms, Russia, & History"; "The Wondrous Mushroom; Mycolatry in Mesoamerica"; "Maria Sabina and her Mazatec Mushroom
Velada"; e "Persephone's Quest: Entheogens and the Origins of Religion".
Mais que qualquer indivíduo do século 20, Wasson incentivou o interesse na etnomicologia até o presente estado de estudo. Wasson morreu no dia de natal, em 1986.

Uma das descobertas mais provocativas foram encontradas em "Soma: Divine Mushroom of Immortality" (1976) onde ele postula que o misterioso Soma da literatura védica, um fruto vermelho que levaria à iluminação espontânea aqueles que o ingerissem, é na verdade um cogumelo. O simbolismo védico cuidadosamente encobriu sua verdadeira identidade: Amanita Muscaria, o alucinogénio Fly Agaric. Muitas culturas tomam Amanita Muscaria por um cogumelo arquetípico. Apesar do desacordo de alguns estudiosos védicos, a pesquisa exaustiva de Wasson permanece (ver Brough (1971) e Wasson (1972).

Aristóteles, Platão e Sófocles participaram de cerimônias religiosas nos Elêusis, onde um templo honrava-se Demétris, Deusa da Terra. Por mais de dois milênios, milhares de peregrinos viajaram 14 milhas de Atenas aos Elêusis, pagando o equivalente ao imposto de um mês pelo privilégio de participar da cerimônia anual. Os peregrinos eram ritualmente abusados em seu caminho até o templo, aparentemente de bom humor.

Chegando ao templo, reunidos no centro da sala, um grande Telesterion. Dentro do templo, peregrinos sentavam-se em fileiras que desciam a uma câmara central escondida, em que cocção de fungos era servida. Um detalhe intrigante é um arranjo de colunas, apesar de qualquer estrutura ser desnecessária, que ainda não teve seu propósito descoberto pelos arqueólogos. Os peregrinos passavam a noite juntos e iam embora eternamente modificados. Neste pavilhão lotade de pilares, as cerimônias ocorriam, conhecidas pelos historiadores como os Mistérios de Elêusis. Nenhuma revelação dos segredos destas cerimônias poderia ser feita, sob pena de aprisionamento ou morte. Estas cerimônias persistiram até serem repreendidas, nos primeiros séculos da Era Cristã.

Em 1977, numa conferência sobre cogumelos na península olímpica, R. Gordon Wasson, Albert Hoffman e Carl Ruck postularam que os Mistérios Elêusis centravam-se sobre o uso de fungos psicoativos. Seus escritos foram publicados num livro chamado "The Road the Eleusis: Unveiling the Secret of the Mysteries" (1978). Aristóteles e outros fundadores da filosofia ocidental empreenderam aventuras intelectuais; esta cerimônia persistiu por quase 2.000 anos. Estes fatos corroboram o profundo impacto que os rituais fúngicos tiveram na evolução da consciência ocidental. "