terça-feira, 6 de novembro de 2007

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Doidos por cogumelos

Todos os anos, sensivelmente na mesma altura, a cidade de Mogadouro, no Nordeste Transmontano, enche-se de forasteiros para falarem, apanharem e degustarem os cogumelos da região. Este ano não foi excepção. O III Encontro Micológico Transmontano e V Congresso Luso Galaico de Micologia, uma organização da Associação Micológica «A Pantorra», decorreu entre os dias 1 e 4 de Novembro, reunindo cerca de duas centenas de micófilos e micólogos - respectivamente os amigos e os que estudam os cogumelos.

Nem mesmo a necessidade de percorrer muitos quilómetros em estradas difíceis fez demover os participantes, portugueses e espanhóis, que não hesitaram em fazer-se ao caminho, só para participarem neste encontro. Um interesse que se revela um verdadeiro fenómeno, tendo em conta que até há bem pouco tempo o cogumelo continuava a ser uma espécie de «fruto proibido», que os portugueses não ousavam tocar, quanto mais comer...

O perigo é real e, em caso de dúvida, não se deve nunca consumir nenhuma espécie selvagem.

No entanto, o interesse por estes fungos vem de longe e muitos foram os povos que não abdicaram desta iguaria. Há quem defenda terem sido os gregos os primeiros a comer e a cultivar cogumelos, mas, ao certo, ninguém sabe quem descobriu o seu potencial gastronómico.

Conhecido é o interesse que, um pouco mais tarde, na época dos romanos, despertavam os boletos (Amanita cesarea). Esta espécie de cogumelos era de tal forma disputada, que nem os escravos lhe podiam tocar, por ser considerada mais valiosa que o ouro e as jóias. Para se deliciarem com o petisco, os romanos chegaram a inventar os «boletaires», uns pratos especiais onde eram servidos os cogumelos. Aliás, foi por causa deles que o Imperador Cláudio perdeu a vida, ao deixar-se aliciar por Agripina, a sua segunda mulher, que o envenenou com um delicioso repasto.

Na Idade Média, o cogumelo volta a merecer atenção, mas desta vez pela sua ligação aos ritos religiosos de feitiçaria e magia. Os efeitos tóxicos e alucinogénios da Amanita muscaria foram aproveitados para fins menos próprios e, por esta razão, o consumo dos cogumelos foi combatido e desencorajado pelo clero.

No México, os aztecas optaram por dar-lhes outro aproveitamento. Os alucinogénios, que também existem na Europa, foram utilizados como droga para falar com o além, um segredo muito bem guardado durante vários séculos mas que, ao ser revelado, alterou as motivações do consumo. Os «hippies» trocaram a espiritualidade pelo mero prazer, pois é certo que tais alucinações podem prolongar-se por vários dias.

Na verdade, o cogumelo - cujo número de variedades é imenso - ainda hoje é considerado pelos especialistas um «alimento de risco», devido a estes seus poderes alucinogénios e até por poderem ser mortais. Um perigo que, desde há três séculos, tem vindo a ser investigado, através de estudos científicos rigorosos. Porque, como diz Francisco Xavier, presidente da associação «A Pantorra», e cirurgião de profissão, «só o conhecimento científico permite distinguir os bons dos maus».

Menos complicado é aprender a distinguir as várias espécies de cogumelos, a forma correcta de os colher e, sobretudo, ganhar consciência da necessidade de preservação ambiental e manutenção da biodiversidade. Disso mesmo tratou a primeira jornada deste encontro no Mogadouro, que se iniciou bem cedo, com a partida dos participantes para o trabalho de campo, orientados pela bióloga Marisa Castro. Ao longo de várias horas, os micófilos foram-se familiarizando com as regras essenciais para saber conhecer e saber colher os cogumelos, por forma a evitar que uma recolha anárquica venha a «matar a galinha dos ovos de ouro». No dia seguinte, todas as espécies apanhadas foram objecto de uma exposição, cuja finalidade era a de identificar os cogumelos comestíveis, os venenosos, os alucinogénios e, ainda, os de pouco valor alimentar.

Os cogumelos são frutificações de alguns fungos e, apesar da sua aparente insignificância, são de uma enorme riqueza alimentar, graças ao seu elevado teor em proteínas, vitaminas, sais minerais e microelementos, em especial. Um alimento a (re)descobrir. Na opinião de Francisco Xavier, «com as possibilidades de desenvolvimento micológico nas áreas de crescente florestação e para além do que os actuais bosques podem permitir, os cogumelos são um recurso natural acrescido, sustentável, renovável e inesgotável se for aproveitado de forma racional».

É certo que, depois de cozinhados, os cogumelos se transformam num verdadeiro manjar, mas as suas qualidades nem aí se esgotam. Também têm propriedades medicinais, ainda desconhecidas para o comum dos cidadãos.

Ponto alto deste encontro, a ceia micólogica foi preparada pelo chefe Eliseu, recém-regressado de uma permanência de várias décadas em França, onde fez a escola de hotelaria. Da entrada à sobremesa, todos os pratos foram confeccionados com cogumelos. E todos estavam uma delícia.

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